segunda-feira, 1 de fevereiro de 2010



















"Prólogo"
Deixaria neste livro
toda a minha alma.
este livro que viu
as paisagens comigo
e viveu horas santas.
.
Que pena dos livros
que nos enchem
as mãos de rosas e de estrelas
e lentamente passam !
.
Que tristeza tão funda
é olhar os retábulos
de dores e de penas
que um coração levanta !
.
Ver passar os espectros
de vida que se apagam,
ver o homem desnudo
em Pégaso sem asas,
.
ver a vida e a morte,
a síntese do mundo,
que em espaços profundos
se olham e se abraçam.
.
Um livro de poesias
é o outono morto:
os versos são as folhas negras
em terras brancas,
.
e a voz que os lê
é o sopro do vento
que lhes incute nos peitos
- entranháveis distâncias.
.
O poeta é uma árvore
com frutos de tristeza
e com folhas murchas
de chorar o que ama.
.
O poeta é o médium
da Natureza que explica
sua grandeza
por meio de palavras.
.
O poeta compreende
todo o incompreensível
e as coisas que se odeiam,
ele, amigas as chamas.
.
Sabe que as veredas
são todas impossíveis,
e por isso de noite
vai por elas com calma.
.
Nos livros de versos,
entre rosas de sangue,
vão passando as tristes
e eternas caravanas
.
que fizeram ao poeta
quando chora nas tardes,
rodeado e cingido
por seus próprios fantasmas.
.
Poesia é amargura,
mel celeste que emana
de um favo invisível
que as almas fabricam.
.
Poesia é o impossível
feito possível.
Harpa que tem em vez
de cordas corações e chamas.
.
Poesia é a vida
que cruzamos com ânsia,
esperando o que leva
sem rumo a nossa barca.
.
Livros doces de versos
sãos os astros que passam
pelo silêncio mudo
para o reino do Nada,
escrevendo no céu
suas estrofes de prata.
.
Oh ! que penas tão fundas
e nunca remediadas,
as vozes dolorosas
que os poetas cantam !
.
Deixaria neste livro
toda a minha alma...
.
(tradução: William Agel de Melo)

O poeta Federico Garcia Lorca nasceu na região de Granada, em Espanha em 1898 e levou para sua poesia muito da paisagem e dos costumes de sua terra natal.
Em 1936, ano da eclosão da Guerra Civil Espanhola, Federico Garcia Lorca foi preso. Fuzilado por militantes franquistas, tornou-se símbolo da vítima dos regimes totalitários.

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