terça-feira, 28 de junho de 2011



"De pé, imóvel, Michelis sentia a vida em seu redor, inexoravelmente, sempre recomeçada. A roda das estações avançava; neste momento eram as vindimas; depois seria a vez das azeitonas, depois o nascimento de Cristo ... E depois as amendoeiras floresciam, os trigais cresciam de novo, o tempo das ceifas voltaria ... Michelis estava como que preso a uma roda; subia e descia, agora com o sol, logo sob a chuva. O dia e a noite estavam amarrados à mesma roda; subiam e desciam também ao mesmo tempo que ele. E Cristo, o recém-nascido, crescia, tornava-se um homem, ia valentemente semear a palavra de Deus, era crucificado, ressuscitava, tornava a descer do Céu, e no ano seguinte era recrucificado ...
A cabeça de Michelis girava como um pião; teve uma vertigem.
Segurou-se a um rochedo, como para deter a roda, para a impedir de rolar... Caiu por terra, e subitamente, sem saber porquê, desfez-se em lágrimas."

Nikos Kazantzaki, Cristo Recrucificado


"Ethel tinha a impressão de pairar no céu. Era das nuvens que ela gostava. Deitada na areia das dunas, via-as desfilar a alta velocidade, leves, livres. Sonhava com o espaço que tinham percorrido, a extensão dos oceanos, o campo das vagas, antes de chegar até ela. Deslizavam, não muito alto, pequenos flocos brancos que por vezes se entrechocavam, se uniam, se dividiam. Algumas pareciam loucas, corriam mais depressa do que as outras, transformavam-se em novelos de algodão, em sementes de dentes-de-leão, em plumas de canas. A terra agitava-se debaixo delas num movimento lento que provocava vertigens. As vagas iam morrer na praia produzindo o barulho de um motor em marcha, empurrando a planura do mar, derrubando o mundo irresistivelmente. Depois chegou uma grande nuvem cinzenta e branca que se interpôs entre ela e o sol, e Ethel via uma baleia, cabeça enorme e cauda muito pequena lá ao fundo do corpo. A areia da duna rodeava Ethel, limitava-a, comprimia-a suavemente. As rajadas de vento fustigavam-lhe o rosto, as pernas, os braços aplicando-lhe milhões de pequenas picadas. Tinha a impressão de nunca ter saído daquele lugar, daquele sítio no cimo da duna, na areia branca e seca que o mar nunca alcança, onde começam a crescer as plantas espinhosas, os cardos, onde são enterradas as sementes vermelhas de tamariz."

J.M.G. Le Clézio, A Música da Fome

sábado, 25 de junho de 2011


ABRAÇOS

Acredita!A força de um abraço real,
dá-nos a sensação clara da falta de espaço entre duas almas que se amam.

sexta-feira, 24 de junho de 2011


Valsa em Sol menor

Como andorinha sonolenta que voa e descobre o tempo no seu lugar,
Chego até aqui e observo a sombra do teu sorriso
Que se esbate na estrada do poente.
Vôos certeiros de circulos mal fechados
Para que o princípio nunca se cruze com o fim.
O sol presencia o bailado em plano inclinado
E deixa que o palco pareça real.
O vento pergunta, sem grandes demoras, se a valsa é perfeita
Ou se preferem um tango em sol menor.
As aves, em sincronia, respondem em bando,
Que a valsa é a três, um par não se forma,
Preferem o tango, a dois é melhor.
Compasso a compasso, sem repetições,
Seguem a linha esquecida desenhada pelo sol.

Schubert Schubert