terça-feira, 28 de junho de 2011



"Ethel tinha a impressão de pairar no céu. Era das nuvens que ela gostava. Deitada na areia das dunas, via-as desfilar a alta velocidade, leves, livres. Sonhava com o espaço que tinham percorrido, a extensão dos oceanos, o campo das vagas, antes de chegar até ela. Deslizavam, não muito alto, pequenos flocos brancos que por vezes se entrechocavam, se uniam, se dividiam. Algumas pareciam loucas, corriam mais depressa do que as outras, transformavam-se em novelos de algodão, em sementes de dentes-de-leão, em plumas de canas. A terra agitava-se debaixo delas num movimento lento que provocava vertigens. As vagas iam morrer na praia produzindo o barulho de um motor em marcha, empurrando a planura do mar, derrubando o mundo irresistivelmente. Depois chegou uma grande nuvem cinzenta e branca que se interpôs entre ela e o sol, e Ethel via uma baleia, cabeça enorme e cauda muito pequena lá ao fundo do corpo. A areia da duna rodeava Ethel, limitava-a, comprimia-a suavemente. As rajadas de vento fustigavam-lhe o rosto, as pernas, os braços aplicando-lhe milhões de pequenas picadas. Tinha a impressão de nunca ter saído daquele lugar, daquele sítio no cimo da duna, na areia branca e seca que o mar nunca alcança, onde começam a crescer as plantas espinhosas, os cardos, onde são enterradas as sementes vermelhas de tamariz."

J.M.G. Le Clézio, A Música da Fome

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